A Lei n.º 14.811, foi sancionada em 12 de janeiro de 2024, fazendo parte de um conjunto de leis com objetivos de instituir medidas de proteção à criança e ao adolescente, especificamente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares. Visa criar a política nacional de prevenção e o combate ao abuso e exploração sexual da criança e do adolescente.  

Essa lei modifica normativas fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro como o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis n.º 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). 

No aspecto material, a norma traz de maneira clara e específica os agentes responsáveis pela criação e implementação de medidas de proteção, incluindo o poder público local, em conjunto com os órgãos de segurança pública, saúde e a comunidade escolar. Além disso, destaca os principais objetivos da normativa, conforme o artigo 4º: 

(a) O aprimoramento da gestão das ações de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente. Vale ressaltar aqui que se trata de políticas públicas, as quais não se restringem às vítimas apenas e que devem considerar o contexto social amplo das famílias e das comunidades envolvidas, conforme o parágrafo 1º do artigo.  

(b) A contribuição (dos agentes acima citados) para fortalecer as redes de proteção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;  

(c) A promoção da produção de conhecimento, da pesquisa e da avaliação dos resultados das políticas de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente. Com o adendo especial trazido pelo parágrafo 5º do mesmo artigo em que estabelece que haverá ampla divulgação do conteúdo do Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.  

(d) A garantia do atendimento especializado, e em rede, da criança e do adolescente em situação de exploração sexual, bem como de suas famílias. 

(e) O estabelecimento de espaços democráticos para participação e controle social, priorizando os conselhos de direitos da criança e do adolescente. 

Quanto aos procedimentos para atingir esses objetos acima listados, a lei estabelece a elaboração de um plano nacional, a ser reavaliado a cada 10 (dez) anos, com indicação das ações estratégicas, metas, prioridades, indicadores e definição das formas de financiamento e gestão das políticas de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente.  

Bullying e Cyberbullying  

A evolução tecnológica trouxe consigo novas funcionalidades, mas também intensificou a ocorrência de novas modalidades de crime, os crimes virtuais.  

O Princípio da Legalidade, um dos princípios norteadores do sistema jurídico no Brasil, trouxe a necessidade de elaboração de novas leis, uma vez que “não há crime sem lei anterior que o defina”, de maneira a adaptar os códigos brasileiros as mais novas necessidades sociais.  

Observa-se, com a Lei n.º 14.811, a inclusão de dois novos delitos no Código Penal, a saber, o bullying e o cyberbullying, em seu artigo 6º. Define que a intimidação, de forma sistemática, individual ou em grupo, por meio de violência física ou psicológica contra uma, ou mais pessoas, por meio de atos de intimidação, humilhação, discriminação, ou ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais, constitui crime, com pena de multa para o bullying e de reclusão de 2 a 4 anos para o cyberbullying.  

Existe clara diferença entre as penas, mesmo sendo modalidades de crimes equivalentes (em conteúdo), o cyberbullying aparenta carregar maior importância ao ordenamento jurídico e o motivo a lei não faz conhecido.  

Por outro lado, é fato que a facilidade, na prática, daquele com a pena maior é gritante, visto que os meios virtuais não só podem esconder a identidade dos agressores como também potencializam, muitas vezes, a quantidade de vítimas, dado seu alcance global.  

 Nova Classificação de Crimes hediondos  

A nova classificação de crimes hediondos, conforme o artigo 7º da Lei, inclui na Lei dos Crimes Hediondos as ações de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, ou automutilação, realizados por meio de redes de computadores, redes sociais ou transmissões em tempo real. Evidenciando aqui, novamente, a preocupação do legislador em adaptar o ordenamento jurídico brasileiro à recente realidade de tecnologias e ações virtuais.  

Além disso, os crimes como sequestro, cárcere privado e tráfico de pessoas praticados contra crianças e adolescentes também são incorporados a classificação de crimes hediondos, juntamente com os delitos relacionados a atos de pedofilia descritos nos artigos 240, §1º e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa categorização impede o réu de recorrer ao pagamento de fiança ou garantia de liberdade provisória. 

É fato que a infância e juventude requer cuidados especiais, isso porque implica em uma vulnerabilidade muito grande por se tratar de menores, como reconhece o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente em seu dispositivo terceiro, o qual esclarece que é dever do Estado dar absoluta prioridade aos interesses da criança, de forma que se desenvolva com plenos direitos fundamentais, com destaque nas palavras “absoluta prioridade”, seguindo o que impõe a Constituição Federal brasileira, que define como direito mor a proteção da criança e do adolescente.  

Acerca disso, o legislador declara, mais uma vez, a tendência protetiva aos menores, assim como a punição agravada aos que cometem crimes, já considerados graves, contra vítimas em situação de hiper vulnerabilidade. 

 Exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de Colaboradores 

A nova lei estabelece a obrigatoriedade de exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os colaboradores por instituições que lidam com crianças e adolescentes, públicas ou privadas, e recebam recursos públicos. A atualização das fichas cadastrais deve ser realizada a cada seis meses, refletindo a necessidade de cuidados especiais devido à vulnerabilidade dessa faixa etária.   

Essa exigência não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que já é de entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que a solicitação de certidão de antecedentes criminais a candidatos a emprego é legítima e não configura dano moral, desde que esteja respaldada por previsão legal explícita ou se justifique devido à natureza específica da atividade profissional.  

Em conclusão, a Lei n.º 14.811/2024 representa uma significativa inovação legislativa alinhada com as normas e princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, demonstrando o comprometimento do Governo Federal em desenvolver e implementar políticas públicas e estratégias efetivas para prevenir, enfrentar e punir casos de violência contra crianças e adolescentes. 

Publicado por Larissa Pigão. Advogada. Mestranda pela Universidade Autônoma de Lisboa. LL.M. pela Universidade de Lisboa. Pós-graduada em Direito Digital pela FDDJ. Certificada EXIN Privacy and Data Protection Essencial and Foundation. Formada pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Sócia no Pigão, Ferrão e Fioravante Sociedade de Advogados.

Publicado por Valentina Tamarozzi. Advogada. Formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Advogada no Pigão, Ferrão e Fioravante Sociedade de Advogados.